O talha-mar-negro (Rynchops niger) habita costumeiramente as águas interiores e sua presença no litoral não é muito comum. Aqui é relatada a presença de um grupo de cerca de quarenta indivíduos desta espécie, durante alguns dias do mês de setembro de 1998, na laguna de Piratininga, município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
A ave conhecida como talha-mar-negro, ou corta-água pertence à família Rynchopidae da ordem Charadriiformes, com três representantes no gênero: Rynchops flavirostris na África, Rynchops albicollis na Índia e Rynchops niger na América do Sul (Harrison, 1987).
Parecidos com os trinta-réis Phaetusa e Sterna, os talha-mares apresentam a conformação do bico bastante característica com a mandíbula mais comprida que a maxila, achatada lateralmente a semelhança de lâmina de faca (Sick,1997), o que os torna inconfundíveis. Contribui ainda para a singularidade da ave, o fato da pupila apresentar-se verticalmente. Apresenta coloração negra nas partes superiores. Testa, bochechas, partes inferiores e borda das rêmiges secundárias (parte externa das asas) de cor branca. A cauda é ligeiramente bifurcada e as penas externas são brancas. A parte basal do bico é vermelha e a parte distal é negra. Os pés são vermelhos e pequenos com as membranas interdigitais pouco desenvolvidas. Medem cerca de cinqüenta centímetros, sendo o macho maior do que a fêmea.
Alimentam-se de peixes e camarões que capturam voando com a mandíbula imersa na água enquanto a maxila permanece aberta sobre a água (figura 1). Assim que a presa é tocada, a maxila fecha-se sobre a mandíbula (figura 2) e a ave flexiona rapidamente a cabeça em direção ao esterno (figura 3), volta à posição normal e eleva-se no ar com a presa no bico (figura 4), engolindo-a imediatamente.
O sistema vascular e nervoso do bico é bastante eficiente, o que favorece a regeneração da ponta da mandíbula que se desgasta com certa facilidade ou mesmo quebra-se durante o ato de captura de alimentos (Zusi, 1975). A sensibilidade conferida por uma inervação abundante é fundamental para que a ave possa sentir a presa quando ela toca a mandíbula submersa.
Pinto (1978) reconheceu duas subespécies no Brasil, Rynchops niger cinerascens, mais ao norte, inclusive Colômbia e Guianas e o extremo norte de Mato Grosso, e outra Rynchops niger intercedens mais leste meridional até o Rio Grande do Sul.
Preferem pescar no crepúsculo e mesmo à noite, quando competidores potenciais como Phaetusa e Sterna não conseguem faze-lo.
Nidificam em colônias esparsas, às vezes próximas às colônias de Phaetusa em ninhos escavados na areia, ao longo das praias dos rios. A postura consta de três a quatro ovos, e ocorre de maio a setembro. No alto rio Negro, estado do Amazonas, ocorrem posturas em agosto e setembro quando o nível das águas está baixo (observação pessoal).
A laguna de Piratininga fica situada no litoral sul do município de Niterói e ocupa uma área de aproximadamente dois e meio quilômetros quadrados, com uma profundidade que varia de trinta centímetros até um metro e setenta centímetros, e recebe as águas dos rios Jacaré, Arrozal, Santo Antônio e Cafubá, e comunica-se com a laguna de Itaipu através do canal de Camboatá.
Apesar de sérios problemas de eutrofização artificial, devido ao esgoto doméstico da região oceânica do município lançado em suas águas através dos rios e a precária renovação da água pelo mar, além da ocupação desordenada de suas margens, a laguna abriga uma comunidade de aves bastante significativa, cujas populações oscilam ao longo do ano (Lemos, 2002).
Em vinte de novembro de 1998, notamos a presença de um grupo composto por cerca de quarenta talha-mares-negros (Rynchops niger) na laguna de Piratininga.
Descansavam na água rasa, vez por outra um indivíduo levantava vôo para logo retornar ao grupo. Permaneciam juntos com os colhereiros (Ajaia ajaja), garças (Egretta alba) e maguaris (Ardea cocoi). Ficaram no local poucos dias, pois em vinte e três de setembro não foram mais vistos.
Como a presença do talha-mar no litoral não é comum, ocorrendo apenas durante o período de migrações nos estuários (Sick, 1985), julgamos oportuno comunicar a ocorrência, lembrando que Pacheco (1988) relatou a presença da ave na baía de Guanabara.
Agradecimentos: Ao meu filho Felipe André que preparou os desenhos transmitindo com perfeição a técnica de pesca da ave, e ao Dr Leo Fukui que cedeu a fotografia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HARRISON, P. 1987. Seabirds of the world. A photographic guide. Christopher Helm Ltd. Londres.
LEMOS, M. 2002. Aves da laguna de Piratininga, Niterói (RJ). www.communities.msn.com.br/ORNITOAVES
PACHECO, J.F. 1988. BOLETIM FBCN 23:104-120 em SICK, H. 1997. ORNITOLOGIA BRASILEIRA. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.
PINTO, O.M.de O. 1978. NOVO CATÁLOGO DAS AVES DO BRASIL.Primeira Parte. MZUSP, São Paulo.
SICK, H. 1997. ORNITOLOGIA BRASILEIRA. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.
ZIMMER, J.T. 1938. Notes on migrations of South American birds. AUK 55:405-410.
ZUSI, R. L.1975. Gulls, auks and their relatives. In GRZIMEK’S ANIMAL LIFE ENCYCLOPEDIA. Volume 8. Van Nostrand Reinhold Company, New York.