Vacinas e vacinações
Môsar Lemos
Introdução
Uma das formas de
proteger o plantel de galinhas contra as doenças é através do uso
consciente de vacinas. As vacinas sozinhas não são capazes de evitar o
aparecimento de um surto de doença no criatório, pois elas representam uma
parte do programa de prevenção sendo as boas práticas de manejo, limpeza e
desinfecção tão importantes quanto um bom programa de vacinação.
O que são as vacinas?
Podemos
definir uma vacina como um produto biológico produzido a partir de vírus,
bactéria ou mesmo um protozoário e que seja capaz de induzir na ave uma
resposta imunológica que a proteja de uma infecção com aquele bioagente.
A imunidade é a capacidade que o
organismo tem de suportar e se defender contra a invasão de um bioagente. A
imunidade pode ser ativa ou passiva, natural ou artificial. Ela é ativa quando
o organismo da ave recebe estímulos para produzir anticorpos podendo ser
natural quando a ave adquiriu a infecção, ou artificial quando a ave é
vacinada. A imunidade é passiva quando a ave já recebe os anticorpos prontos,
sendo natural quando o pintinho recebe os anticorpos maternos que o protegerão
nos primeiros dias de vida, ou artificial quando é feito um tratamento com soro
hiperimune (soroterapia).
Podemos dizer então que a vacinação
é a indução de imunidade ativa de forma artificial, contra um determinado
bioagente.
As
vacinas podem ser vivas ou mortas, dizendo-se que estão atenuadas, pois os
danos que produzirão no organismo da ave serão mínimos, ou que estão inativadas
e, portanto incapazes de produzir danos ao organismo. Existem vantagens e
desvantagens inerentes aos dois tipos de vacinas. Veja a tabela 1.
As vacinas podem ser aplicadas de
forma individual, ou seja, uma ave de cada vez, ou de forma massal para todo o
lote de aves de uma só vez.
Métodos Massais
A
utilização de vacinas por métodos de aplicação em massa tem sido de grande
utilidade para a avicultura comercial, que trabalha com grandes lotes, por
facilitar os processos, aplicando grandes volumes de vacina em menor tempo e
com um número reduzido de pessoas. Entretanto também pode ser utilizada com
sucesso nas pequenas criações de raças combatentes. Para algumas doenças a via
spray pode vir a ser utilizada desde que se trabalhe com uma gota bem grossa
(acima de 150µm). Para Newcastle e Bronquite deve-se trabalhar com gotas em
torno de 50 a 100 µm nas primeiras vacinações; e para Micoplasma usar gotas
mais finas. Em aves acima de 6 semanas de idade usar gotas menores que 50 µm.
Os
métodos massais de aplicação de vacinas requerem uma grande atenção às normas
de utilização. O sucesso vai depender
dos cuidados no preparo e aplicação dos produtos, pois não é possível garantir
que todas as aves receberam a dose correta de vacina. Somente o procedimento
adequado permitirá que toda a população receba uma boa cobertura vacinal.
A
vacinação através de spray é mais utilizada em grandes lotes na avicultura
industrial, não sendo muito adequada para as pequenas criações de combatentes.
Água de bebida
Preparação da vacina
Suspender
o uso de desinfetantes (cloro, amônia ou medicamentos) na água de bebida pelo menos
24 h antes da vacinação, não utilizando recipientes metálicos, e adicionar 2g de
leite em pó desnatado por litro de água a ser usada para a vacinação, visando
estabilizar e homogeneizar a solução.
Identificar
corretamente o produto a ser usado, através do rótulo e da cor do liofilizado,
abrindo o frasco de vacina removendo o selo de alumínio e a tampa de borracha e
adicionar aproximadamente 3 ml de água limpa. Em seguida fechar o frasco com a
tampa e agitar bem para reconstituir o liofilizado. Não tampar com o dedo. Utilizar
recipientes plásticos com o volume total de água preparada para a vacinação e adicione
a vacina reconstituída, enxaguando várias vezes o frasco de vacina a fim de
evitar perdas. Para melhor avaliação da vacinação, utilizar o corante
apropriado que permite a identificar as aves que beberam o preparado vacinal,
pois ficam com o bico e a língua de coloração azulada.
Procedimento para
Vacinação:
Vacinar
em horários mais frescos do dia (início da manhã ou no final da tarde), fazendo
jejum hídrico nas aves de meia a uma hora em climas quentes e 1 a 2 horas em
climas frios. Lavar os bebedouros com água limpa e deixá-los sem resíduos de
sabão ou desinfetante, e distribui-los de forma que pelo menos 2/3 das aves
bebam ao mesmo tempo. Observar se todas estão bebendo, se não está havendo
amontoamento e se os bebedouros estão bem distribuídos, de foram que a solução
vacinal seja consumida em no máximo 2h e nunca em menos de 1h. Suspender o uso
de medicamentos, cloro ou desinfetantes na água de bebida durante pelo menos
24h após a vacinação.
Métodos Individuais
Os
métodos individuais de vacinação são aqueles em as doses vacinais são aplicadas
ave a ave. Esse método tem a vantagem de garantir que cada ave receba a dose
necessária de vacina para sua imunização, entretanto demanda mais tempo para
aplicação.
As vacinas inativadas,
só podem ser aplicadas pelos métodos individuais, já que são produtos
injetáveis. E a vacina forte contra Bouba, tem como via solicitada a punção na
asa, não tendo opção pelo método massal.
Vacinação ocular, nasal ou oral
Preparo da vacina:
Identificar
os produtos a serem utilizados, através do rótulo. Tanto a vacina quanto o
diluente devem estar armazenados à temperatura de 2 a 8º C. Reconstituir o
liofilizado com o diluente apropriado, transferindo aproximadamente 3 ml do diluente
para o frasco da vacina. Agitar suavemente. Devolver a vacina já diluída para o
frasco de diluente, enxaguando o frasco do liofilizado várias vezes. Colocar o
bico dosador no frasco com a vacina diluída, sem encostar os dedos na ponta do
bico. Utilizar um material isolante entre o frasco com a vacina e a mão para evitar
o aquecimento do produto. Colocar os frascos utilizados durante a aplicação em
uma caixa com gelo, antes que aqueçam e com o cuidado para que toda a vacina
reconstituída seja aplicada num período de duas horas.
Preparo do ambiente e
vacinação:
Escolher horários
mais frescos do dia para dar início à vacinação. Após a vacinação, soltar a ave
com cuidado. Quando usar a via nasal, fechar uma das narinas com o dedo e
instilar a gota na outra narina. Observar a absorção da gota de vacina antes de
soltar a ave. A dose correta de vacina é de 0,03 ml, o que corresponde a uma
gota. Observar a posição correta do aplicador na vertical para manter a
uniformidade da dose. Somente utilizar aplicadores em boas condições.
Todos estes procedimentos
são idênticos para as aplicações ocular, nasal e oral, diferindo apenas no
local de instilação da gota de vacina, no olho, narina ou bico,
respectivamente, conforme a via escolhida.
Via membrana da asa:
Preparo da vacina e
vacinação:
Reconstituir o
liofilizado de vacina com o diluente apropriado. Mergulhar somente as agulhas
duplas do aplicador na vacina diluída, tendo cuidado de não molhar a parte plástica do aplicador. Com o
aplicador na posição vertical, perfurar a membrana da asa pela parte de baixo. Retirar
as penas do local de aplicação na asa da ave, antes de introduzir as agulhas. Observar
a presença de vasos, nervos e ossos na aplicação, para não atingi-los. Utilizar
um aplicador para no máximo 1000 aves. Agitar o frasco de vacina com frequência
durante a aplicação. Observar se houve “pega” da vacina 7 a 10 dias após a
vacinação. Uma boa vacinação deve apresentar entre 90 a 100% de “pega” com
lesões de grau variável.
Via injetável (subcutânea ou intramuscular)
Preparo do
equipamento:
Utilizar material
(agulhas e seringas) esterilizado por fervura ou autoclave. Não usar
desinfetantes no equipamento; Regular as vacinadoras na dose indicada e
conferir antes da vacinação. Usar agulhas de tamanho único (10X10). Trocar as
agulhas com frequência durante a vacinação.
Subcutânea:
Aplicar a vacina no
terço médio do pescoço, com a agulha em direção ao corpo da ave. A pele deve
ser levantada formando um bolsão onde deve ser introduzida a vacina. Evitar
aplicação intradérmica.
Intramuscular:
Pode ser aplicada no
músculo do peito ou da coxa da ave. A aplicação no peito deve ser feita na
região lateral a quilha, com a introdução da agulha formando um ângulo de 45º,
evitando atingir as vísceras. A aplicação na coxa deve ser feita na parte
central da região lateral do músculo, evitando ossos, vasos e nervos.
Observações:
As
vacinas oleosas não devem ser aplicadas geladas, portanto é recomendada a sua
retirada do refrigerador pelo menos 24 h antes da aplicação. As sobras de
vacinas nunca devem ser utilizadas, pois não existe mais garantia de qualidade
do produto depois de aberto. As vacinações injetáveis podem ser avaliadas
através de necropsia de aves de descarte, para observação da correta aplicação.
Um
calendário de vacinação (Tabelas 2, 3 e 4) funciona como um roteiro e deve ser modificado de
acordo com a necessidade do local. Ocorrência de surtos ou inexistência de
casos das doenças devem servir de base para a tomada de decisão de quais
vacinas utilizar e quando utilizá-las. Na dúvida busque auxílio de um Médico
Veterinário especialista em aves.
Tabela 1. Vantagens e
desvantagens das vacinas atenuadas e inativadas.
Tipo
|
Vantagens
|
Desvantagens
|
A
|
Conferem imunidade
local, humoral e de mucosa.
Necessitam pouca
massa antigênica
Induzem rápida
produção de anticorpos.
Permitem várias
vias de aplicação.
|
Riscos de reversão
à patogenicidade e disseminação de patógenos estranhos.
Menor uniformidade
e duração dos títulos.
Risco de ocorrência
de reações pós-vacinais.
|
I
|
Sem riscos de
reversão e disseminação do agente.
Resposta imune mais
uniforme e duradoura
Mais estáveis
durante a armazenagem
Menor risco de
interação do agente vacinal com outros que possam provocar reações
pós-vacinais
|
Geralmente exigem
“primers”.
Mecanismo de
proteção celular e de mucosa fracos ou inexistentes.
Necessitam maior
massa antigênica.
Exigem aplicação
individual.
|
Legenda: A = Atenuada
(viva); I = Inativada (morta).
Tabela 2. Calendário
de vacinação contra doenças avícolas – Doenças parasitárias
Doença/Bioagente
|
Faixa etária
|
Tipo de vacina
|
Via de aplicação
|
Coccidioses
aviárias
Eimeria spp
|
Ocular
ou nasal. Dose única com 6 a 8 dias de idade.
Spray.
Dose única com 1 dia de idade.
|
Vacina
viva. Pool contendo 7 espécies de Eimeria
que ocorrem a campo no Brasil. Produzida em aves SPF.
|
Ocular
ou nasal.
|
Legenda: IM =
Intramuscular; SC = Subcutânea; FEP = Fibroblasto de embrião de pinto; SPF =
Livre de patógenos específicos.
Tabela 3. Calendário
de vacinação contra doenças avícolas – Doenças virais
Doença/Bioagente
|
Faixa etária
|
Tipo de vacina
|
Via de aplicação
|
Artrite
viral aviária
|
1ª.
dose com 7 a 10 dias de idade.
2ª.
dose com 30 a 40 dias de idade.
3ª.
dose a partir de 120 dias de idade.
|
Virus
vivo. Liofilizada.
|
Via
oral, na água de bebida
|
Bouba
Aviária
Poxvirus
aviário
|
Com
1 dia de idade.
|
Bouba
suave. Atenuada. Liofilizada. Amostra galinha. Produzida em FEP.
|
SC.
0,2 mL na região dorsal do pescoço.
|
Bouba
Aviária
Poxvirus
aviário
|
A
partir de 21 dias de idade.
|
Bouba
forte.
Atenuada.
Liofilizada. Amostra pombo. Produzida em ovos SPF
|
Punção
da membrana da asa, com aplicador próprio.
|
Bronquite
Infecciosa das Galinhas
|
1ª.
dose entre 10 a 14 dias.
2ª.
dose com 16 semanas.
|
Atenuada.
Liofilizada. Produzida em ovos SPF.
|
Na
água de bebida.
|
Doença
de Gumboro
|
SC,
ocular ou nasal em pintos de 1 dia.
Na
água de bebida com 14 dias de idade e repetir na 10ª. semana de idade.
|
Atenuada.
Liofilizada. Produzida em ovos SPF.
|
Via
subcutânea 0,2 mL na região dorsal do pescoço.
Via
ocular ou nasal. Uma gota na narina ou no olho.
|
Doença
de Marek
|
Com
1 dia de idade.
|
Liofilizada.
Origem Herpesvirus origem peru.
|
Via
subcutânea 0,2 mL na região dorsal do pescoço.
|
Doença
de Newcastle
|
1ª.
dose com 7 a 10 dias de idade.
2ª.
dose com 30 a 40 dias de idade.
3ª.
dose com 120 dias de idade.
|
Viva. Amostra La
Sota. Liofilizada. Produzida
em ovos embrionados de galinhas SPF.
|
Ocular
ou nasal. 1 gota na narina ou olho.
|
Pneumovirose
aviária ou Síndrome da Cabeça Inchada
Pneumovirus
aviário
|
Ocular/nasal
Dose
única na 1ª. semana de vida.
Na
água
1ª.
dose com 6 semanas de idade.
2ª.
dose com 12 semanas de idade
|
Virus
vivo. Liofilizada.
|
Ocular
ou nasal. 1 gota no olho ou narina.
Na
água de bebida.
|
Legenda: IM =
Intramuscular; SC = Subcutânea; FEP = Fibroblasto de embrião de pinto; SPF =
Livre de patógenos específicos.
Tabela 4. Calendário
de vacinação contra doenças avícolas – Doenças bacterianas
Doença/Bioagente
|
Faixa etária
|
Tipo de vacina
|
Via de aplicação
|
Cólera
aviária ou Pasteurelose aviária
Pasteurella multocida
|
1ª.
dose entre 14 e 16 semanas de idade
2ª.
dose 4 semanas após a primeira dose
|
Inativada.
Emulsionada em óleo.
|
IM.
0,5 mL na musculatura do peito.
|
Colibacilose
Escherichia coli
|
1ª.
dose com 3 semanas de idade.
2ª.
dose entre 18 e 20 semanas.
|
Inativada
emulsionada em óleo mineral
|
IM.
0,5 mL na musculatura do peito
|
Coriza
Infecciosa das Aves Haemophilus paragallinarum
|
1ª.
dose com 12 semanas de idade.
2ª.
dose entre 16 e 19 semanas (deve ser oleosa).
|
Inativada
emulsionada em gel de hidróxido de alumínio ou óleo mineral
|
IM.
Dose mínima de 109 UFC. Músculo da perna ou do peito
|
Micoplasmose
Mycoplasma
gallisepticum
|
A
partir de 5 semanas de idade.
|
Atenuada.
Amostra
MG70.
Liofilizada
|
Via
ocular/nasal. 1 gota em um dos olhos ou narina.
|
Paratifo
aviário
Salmonella spp
|
1ª.
dose com 12 semanas de idade.
2ª.
dose. com 20 semanas.
|
Inativada
e emulsionada em adjuvante oleoso.
|
IM.
0,5 mL na musculatura do peito.
|
Tifo
aviário
Salmonella gallinarum
|
1ª.
dose entre 10 e 12 semanas de idade.
2ª.
dose entre 14 e 18 semanas.
|
Atenuada.
A cepa 9R pode causar a doença. As bacterinas são pouco eficazes.
|
SC.
0,2 mL na região dorsal do pescoço.
|
Legenda: IM =
Intramuscular; SC = Subcutânea; FEP = Fibroblasto de embrião de pinto; SPF =
Livre de patógenos específicos.
Referências
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2009, 510p.
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THRUSFIELD, M.
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